Cantinho de Fiori

Aos 30 minutos de um dia 8 de junho, há exatos 5 anos, fecharam-se as cortinas para o locutor da torcida brasileira.

O “moço que veio de Lins” foi responsável por dar voz àqueles que tinham alcançado a glória nos gramados, mas nem sempre contavam com a mesma sorte fora das quatro linhas. Em seu Cantinho da Saudade reverencia os que um dia haviam sido responsáveis pelo espetáculo ao abrirem-se as cortinas.

Desde que Fiori deixou o futebol menos poético em junho de 2006, penso em retribuir parte da emoção transmitida por ele a mim e a toda a torcida brasileira.

Finalmente, consegui escrever um "Cantinho da Saudade" para Fiori Giglioti. A homenagem irá ao ar nesta quinta-feira, às 10 da noite, no Fanáticos por Futebol, da Rádio Bandeirantes.

 
Anúncio do scratch do rádio, em 14/11/1963
(veja o original aqui)

Atualização
Ouça o Cantinho para Fiori, na interpretação de Milton Neves


A seguir o texto que serve de base à saudade...

Torcida brasileira, só Deus sabe o que se esconde por trás das cortinas de uma existência, os enredos misteriosos que teremos de protagonizar na vida, que passa tão depressa.

Por isso, olhando para o ensaio, quando preparamos esse espetáculo, o roteiro mostra que devemos valorizar cada cena. Feliz de quem se entrega ao campo das emoções de corpo e alma. Mais feliz ainda de quem pode atuar de maneira a viver alegrias incontroláveis e a chorar junto com uma plateia que se emociona diante da queda de um elenco.
O rádio esportivo é assim, como um teatro. Grandes espetáculos, enredos de inúmeras tragédias também. E para dar voz a nosso povo tão sofrido, muitas vezes cantamos o hino de nosso país junto com cada brasileiro. Por outras, ficamos tristes e a voz se cala - como que representando um minuto de silêncio - pela tristeza de um momento que não imaginávamos ver.

Mas, quem vive a emoção lance a lance, com cada torcedor, precisa estar preparado para se juntar à desilusão desse povo na hora da frustração. Porque ao perdermos - onde a vitória era certa -, a voz embarga e o rosto fica inundado da amargura das lágrimas que irremediavelmente a gente precisa chorar.

Como um diretor de cena sem força para mudar o rumo da história, despencando da esperança para o impacto da verdade, o narrador de futebol, levado pela evolução e superioridade de um selecionado, como que querendo ver seu país se sobressair diante do mundo, apenas esperando a ovação do público ao término do espetáculo, acaba vendo seu coração caído e pisoteado no gramado. Foi assim que sucumbimos no palco das ilusões junto com nossa espetacular seleção de 82.

O futebol é cheio de barreiras e de vitórias também. Um desafio. E cada lance é como um dia de nossas vidas. Às vezes, até alcançarmos a vitória e conquistarmos tantos títulos que achamos nem merecer, precisamos de humildade para perceber as primeiras chances que nos fazem ganhar voz diante das adversidades... Para reconhecer que é ainda no primário, que se aprendem as lições que farão diferença para toda a vida.

Foi assim com um garoto de Lins que tinha loucura por música, um garoto que se realizava por fazer parte da banda do colégio. Que tinha amor pela caixa, pelo repique. Quando esse menino consegue a caixa da banda, o repique, a vida, no entanto, parece dar-lhe uma rasteira. A professora reserva àquele pequeno rapaz um papel para o qual ele desconhecia possuir talento. Foi Lins o palco da primeira oração, do primeiro discurso dele, quando atendeu a um pedido da querida professora Alda Garcia, que ainda no Primário o incumbiu de falar sobre o Marechal Floriano Peixoto, o marechal de ferro. Naquele momento, o menino chorou a tristeza de perder o lugar de integrante da banda, mas sequer imaginava que nascia naquela ocasião o locutor da torcida brasileira. Esse amigo do ouvinte, que teve como principal título, entre centenas adquiridos, aquele que considerava sua maior conquista: o título de cidadão linense.

Mas o tempo passa e aquele garoto, antes de vencer como narrador esportivo, faz o povo se juntar em um só coro para orar a Ave Maria, ainda na Rádio de Lins.

O jogo segue e... todo adeus traz algumas tristezas e provoca evocações, mas é preciso justificar o adeus. Adeus que representa a separação de alguma coisa, de algo que vai embora. Em 52, ele achou que era hora de tocar a bola pra frente. É quando procura a Rádio Bandeirantes, onde ingressa de maneira singular. Ele faz teste na emissora em 19 de janeiro daquele ano de 52, quando irradia seleção paulista e Santos, na Vila Belmiro. A Seleção ganhou de 3 a 2 e ele, por sua vez, obteve sua primeira de muitas vitórias. Na volta, pediram que o jovem passasse na Bandeirantes. Ao chegar lá, por volta de uma e meia, duas da manhã, o contrato estava pronto... apenas aguardando a assinatura do novo talento da casa...

Começaria a trabalhar no dia primeiro de julho de 1952. Pediu esse tempo porque não queria abandonar completamente a Rádio de Lins... tinha um pouco de medo. O clima do interior, principalmente naquela época, era muito diferente de agora. Era extremamente íntimo, caseiro, a gente conhecia todo mundo, vivia realmente a poesia, o lirismo, o romantismo do momento.

Quando vem a São Paulo, se vê no campo da solidão... diante de uma solidão tão grande como a própria cidade. A família chegaria só três meses depois. Morava na pensão Vera Cruz, no Largo São Francisco. Chorou muitas noites enfiando a cabeça debaixo do travesseiro, com saudade da família, das namoradas. Sim, namoradas. Ele dizia que era preciso colocar no plural, porque quem trabalhava no rádio naquela época era um príncipe encantado. E ele tinha seus namoricos e vivia naquele clima, naquele festival de sonhos e de poesias. Ele também sente falta da pescaria, da vida simples e que considerava muito linda, do convívio constante com a natureza. Ah, de noite, aquele jovem de voz marcante se esparramava em lágrimas e, debaixo do travesseiro, chorava na cascata da saudade. Mas depois, naquele mesmo travesseiro, recostava a cabeça e sonhava com o profissional de rádio que queria se tornar.

Este primeiro contato com a cidade grande se transforma em uma marca. No entanto, fez muito bem... Porque como ele próprio dizia... é preciso sofrer para gente valorizar tudo o que se consegue. E ele conseguiu muito, torcida brasileira. Ele conseguiu tudo o que almejava... na grande área, transformou seus sonhos em gols.

Até que o crepúsculo de jogo chegou. As cortinas se fecharam e o espetáculo terminou para centenas de milhares de torcedores às vésperas de mais uma copa do mundo. Ele não teve tempo de dar voz à torcida que tanto o aplaudiu ao longo de toda a jornada. Ele foi embora, torcida brasileira, empobrecendo o rádio dos espetáculos e deixando tanta tristeza, tanta saudade... Ele que escreveu com a voz, as mais bonitas poesias da história do futebol.

Torcida brasileira, estamos falando, é claro, de Fiori Giglioti. Do grande Fiori de 10 copas, que integrou os times de importantes emissoras como a Panamericana, a Record e a Capital. Mas que brilhou como nenhum outro no scratch do rádio pela Bandeirantes. Do narrador que entrou em campo com a torcida brasileira para transmitir a emoção que só ele sabia,... para colocar o coração no microfone. Fiori deixou o jogo da vida aos 30 minutos da madrugada de 8 de junho de 2006, no Hospital Alvorada, no Bairro de Moema, em São Paulo. Como retribuição a tanta saudade, ele merece ser lembrado. Fiori vai ficar por todo sempre, incrustado na ternura e na sinceridade do nosso CANTINHO DE SAUDADE.




Anúncio publicado no Jornal Folha de São Paulo na Libertadores de 1984












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